top of page

"A Rota das Especiarias", por Suely Coutinho

Artigo

O surgimento da Rota das Especiarias justificou-se pelas dificuldades encontradas pelas caravanas de mercadores, comerciantes e ambulantes nos difíceis caminhos, pelos assaltos e intempéries do tempo das viagens terrestres da Rota da Seda e também pela expansão das viagens marítimas pelos europeus.
A Rota das Especiarias ligava os portos do Japão, percorria as ilhas da Indonésia, sul da Índia, passando pelo Oceano Índico e alcançando o Oriente Próximo e os portos da Europa. Com um percurso estimado em 15.000 km em viagens difíceis, enfrentando mares traiçoeiros, vendavais e tempestades, os comerciantes transportavam as especiarias da cássia, cravo e noz-moscada da China, canela do Sri Lanka, cravo da Índia, marfim, sedas, porcelanas chinesas, pedras preciosas vindas do Oriente levados aos comerciantes do Ocidente. Além desses produtos, os viajantes trocavam informação, conhecimento, costumes, línguas, manufaturas, religiões, promovendo intercâmbio cultural, artístico e científico, o que contribuiu para a integração entre comerciantes, mercadores e produtores locais.
O lucro alcançado pelo comércio das especiarias era imenso, medido em peso de ouro. A valorização das exóticas especiarias data do início das civilizações. O odor por elas expelido foi e ainda é utilizado na purificação de ambientes, ritos religiosos, expulsão de males, na culinária dando sabor aos alimentos, na fabricação de medicamentos, em bebidas, poções e pomadas, venenos e antídotos.
Muitas lendas e histórias extraordinárias fomentaram o comércio, atribuindo valores extraordinários às especiarias. Contavam histórias fantásticas de águias imensas, a fênix, dragões, serpentes venenosas que seriam combatidas pelo uso das especiarias. O historiador grego, Heródoto deixou um relato da cássia que crescia num lago repleto de seres alados guinchando e horrorizando as pessoas.
O surgimento do conquistador Alexandre Magno, rei da Macedônia, ao norte da Grécia, no ano de 336 a.C., mudou o cenário comercial que se voltou para as riquezas vindas do Oriente pela Rota das Especiarias. Depois de dominar toda a Grécia, pelo segundo ano de reinado, Alexandre fundou a cidade de Alexandria, no norte da África, no delta do rio Nilo. A cidade tornou-se um importante centro desenvolvimentista nas ciências, nas artes, na cultura e comércio dos produtos da Rota das Especiarias. Depois da morte de Alexandre e a fragmentação do império, o saber e a língua grega continuaram a exercer grande influência por todas os povos conquistados, pela Ásia, África e Europa.
O império romano crescia concomitante e após o domínio grego. A expansão romana gerava grande riqueza, e para manter o luxo dos cidadãos romanos, no ano 30 a.C. o primeiro imperador, Augusto, tendo dominado o Egito e seu principal porto, Alexandria, por esse caminho dirigiu-se ao Oriente através do Mar Mediterrâneo, que permitia o acesso à Rota das Especiarias. A frota romana sempre crescente empreendia uma viagem anual pelo árduo clima de ventos de monções do Oceano Índico, transportando vestuários, metais, drogas e artefatos de vidro e trazendo dos mercadores do Oriente as cobiçadas especiarias, as sedas, as porcelanas da China, a pimenta preta produzida na Índia e demais produtos para sustentar o luxo de Roma e da Europa.
Com a decadência do império romano, por volta do século IV, o comércio da Rota das Especiarias foi tomando espaço pela expansão do Islamismo fundado por Maomé. Estabeleceu-se um monopólio comercial dos muçulmanos em todo domínio árabe que inclusive, se destinava a converter os povos ao Islamismo.
O intercâmbio comercial dos árabes promoveu grande difusão da literatura, das ciências, do uso das especiarias e das ervas na culinária e na medicina, no preparo de drogas e medicamentos. Artesãos, tecelões e artífices chineses contribuíram para o crescimento da indústria da seda em todo o Ocidente.
Um ano após a viagem do veneziano Marco Polo, Ibn Battuta, muçulmano procedente de Tanger, no Marrocos, no ano de 1325, dirigiu-se em peregrinação sagrada à Meca. Tomando gosto pela viagem, dali, sem pressa, dirigiu-se a outras regiões e costumava se estabelecer por anos num mesmo local, empreendendo a maior viagem de exploração realizada na Era Medieval, por não menos de 120.700 quilômetros. Visitou diversos portos da Rota das Especiarias sob o domínio dos muçulmanos.
Durante o império mongol, houve um tempo de paz, os viajantes se deslocavam a vários destinos transportando grande soma de dinheiro sem serem importunados. Nos relatos de viagem de Ibn Battuta, ele contou a tranquilidade do sultão de Sumatra indo a pé para a oração da sexta-feira e do sultão de Nova Deli, cujo prazer era oferecer presentes e derramar sangue.
Na Europa crescia o interesse pelos produtos das especiarias, porém esse comércio era domínio dos muçulmanos, venezianos e genoveses. Os portugueses, navegadores experimentados, construíram um novo modelo de navio, a caravela, mais leve e mais potente para transportar grandes cargas. Incentivados pelo Infante Dom Henrique, o Navegador, no século XV lançaram-se em expedições cada vez mais ousadas para contornar o oceano Atlântico pelo sul da África e chegar à Índia.
Com a descoberta de Vasco da Gama do caminho marítimo para a Índia, em 1499, ousadas frotas foram enviadas de Portugal, dirigindo suas conquistas ao comércio das especiarias e introduzindo o cristianismo em suas possessões. O poderio do império português no Oriente durou mais de um século.
Os mercadores holandeses se organizaram e formaram, no início dos anos de 1600, a Companhia das Índias Orientais e impulsionaram a conquista de um império colonial holandês nas cobiçadas Índias Orientais. Impediram o comércio com outros povos e, para valorizar os preços na Europa, queimaram ou lançaram ao mar as especiarias e arrancaram cerca de 65.000 árvores de noz moscada e cravo da Índia. Essa atitude concorreu para a extrema miséria da população das Molucas e consequentemente contribuiu para a decadência dos ricos sultanatos que haviam se formado com o comércio das especiarias.
Os ingleses fundaram a Companhia Inglesa das Índias Orientais e, junto com os holandeses, por 250 anos essa Companhia se tornou um dos maiores impérios comerciais de todos os tempos. Outros países da Europa, cientes do êxito comercial dos ingleses e holandeses, lançaram-se como concorrentes na busca do comércio com o Oriente. Nos portos ao longo da costa da Índia, floresceu o lucrativo comércio de troca de mercadorias em que os comerciantes que adquiriam os produtos indianos como o algodão e a pimenta preta, bem aceitos na Europa e Ásia, comerciavam com os ingleses. A Índia, durante o domínio mongol, teve um governo forte e próspero, aberto à liberdade religiosa que possibilitou o florescimento das ciências, das artes e da literatura. A presença da Companhia da Índias Orientais nos portos indianos favoreceu a permanência e o crescente envolvimento da Inglaterra com a Índia. A colonização inglesa na Índia foi fortalecida com a queda definitiva dos mongóis no século XVIII.

bottom of page