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"A Rota da Seda", por Suely Coutinho

Artigo

De um país tão distante, pode-se dizer do outro lado do mundo, ao lado da “terra do sol nascente”, o Japão, destaco a China como foco deste texto. Dentre várias pesquisas pela internet sobre o tema, que me aguçaram a curiosidade, consultei mapas da antiga Rota da Seda e conheci uma publicação da Unesco, datada de 1999, sobre as antigas e curiosas Rotas da Seda e das Especiarias, caminhos terrestres e marítimos que faziam a ligação entre o continente asiático e o europeu. A publicação da Unesco e da Editorial Estampa consta de 4 volumes intitulados As Rotas da Seda e das Especiarias: Os Caminhos Terrestres, Os Caminhos Marítimos, Invenções e Comércio e Culturas e Civilizações.
A descoberta do fio da seda, que deu origem ao nome da rota deve-se a uma lenda que conta o primeiro achado por Xiling Xi, esposa de Huangdi, um imperador que governou a China cerca de 5.000 anos antes de Cristo. Certo dia, a jovem imperatriz passeava no jardim e viu um casulo branco sobre a folha de uma amoreira. Ela recolheu o casulo e, inadvertidamente, deixou-o cair dentro de uma xícara de chá quente. Ao tirá-lo dali, viu que soltava um fio branco e brilhoso e, daí, foi se espalhando a descoberta do famoso fio da seda. Deve-se a esse acontecimento o aparecimento da seda, um dos mais valiosos e característicos produtos da China que muito impulsionou o comércio do Oriente com o Ocidente e que deu nome aos caminhos que ora abordamos neste texto.
Antes da descoberta da Rota da Seda, os povos asiáticos muito pouco sabiam da existência dos europeus e vice-versa. Esses caminhos existiram por mais de 1.600 anos e cobriam uma extensão de aproximadamente 8.000 quilômetros de difícil acesso, sendo uma via íngreme, interrompida, passando por terras escarpadas e precipícios. Na encosta de montanhas tinha um muro de pedra de 3.000 metros de altura. Nesse percurso ligando o coração das terras asiáticas da China ao continente europeu, viviam não só chineses, mas muitos povos como Mongóis, Hunos, Turcos, Árabes, Iranianos e outros de menor destaque. A Rota da Seda serviu de canal de comunicação, formando diversas culturas, tornando-se impérios poderosos, alvo de guerras e conquistas de povos invasores.
O surgimento da Rota da Seda se fez necessário para o comércio com povos vizinhos, para a compra e venda de bens e a aquisição dos produtos necessários ao consumo próprio. A Rota da Seda foi resultado de uma grande cadeia comercial que surgiu cerca de 100 anos antes da era cristã e foi diretamente afetada pelo apogeu e declínio dos grandes impérios que, enquanto existiram, asseguraram e protegeram os caminhos, tornando-os bem-sucedidos. Durou até o ano de 1.500, época das grandes navegações empreendidas pelos europeus que, gradativamente, foram substituindo as vias terrestres da Rota da Seda.
Pelos caminhos de longa e perigosa jornada, passavam caravanas comerciais de mercadores em camelos, vendendo e comprando produtos de comerciantes e artesãos que se estabeleceram ao longo das vilas e povoados. Por essa via passavam monges, peregrinos de diferentes terras e povos que contribuíram com conhecimentos a diversas culturas e crenças para o legado da história que perdura até os nossos dias.
A Rota da Seda partiu inicialmente de Changan, cidade do interior da China, hoje Xi’an, antiga capital do país. Nessa cidade atualmente encontra-se o Exército de Terracota construído pelo primeiro imperador chinês, Qin, com o intento de guardar o seu mausoléu. A cidade hoje recebe grande número de turistas que querem conhecer as esculturas dos Soldados de Terracota.
De Xi’an, as caravanas de comerciantes seguiam ao longo do corredor de Gansu, seguindo em terras férteis até Dunhuang passando pelo lado extremo da grande Muralha da China. Daí iam pelas inóspitas terras da Bacia de Tarim. Os viajantes tinham duas opções para seguir viagem: pelo norte, atravessando o deserto de Taklamacan ou pelo sul, passando pelas Montanhas Karakorum. Ambos os caminhos chegavam a Kachgar, ponto do meio da Rota da Seda. Kachgar é ainda hoje uma próspera cidade localizada no sopé das Montanhas de Pamir, estas com mais de 7.500 metros de altitude, conhecidas como o Teto do Mundo. Os viajantes passavam por caminhos estreitos de saliências rochosas ao lado de íngremes penhascos, enfrentavam tempestades de neve e avalanchas, uma difícil jornada que os animava a obter grandes lucros no comércio das mercadorias que transportavam.
Das Montanhas de Pamir, os vários trilhos desciam por vales estreitos destinados ao norte do Afeganistão, ao sul do mar de Aral. Na direção sul, passavam por campos verdejantes de terras férteis, belos jardins e pomares e por trilhos chegavam à cidade de Bactros, onde havia um próspero comércio com bazares e mercadores vendendo e comprando produtos da Europa, do Médio Oriente, da Malásia, da China e da índia. Na época, pela atividade do comércio, Bactros adquiriu tamanha importância como Bagdá, Constantinopla, Roma e Changan mas a prosperidade decresceu com o início do comércio marítimo das novas rotas ligando a Europa à Índia.
A grande ramificação dos caminhos da Rota da Seda foi necessária para que os viajantes evitassem os perigos dos desertos, a travessia difícil de montanhas, o ataque de bandidos e o roubo das mercadorias. Um dos caminhos seguia pelo Turquestão Ocidental, outro pela Anatólia, outro passava à margem do Mar Negro. Incluía a Estepe Euroasiática, o Mar de Aral e Cáspio, percorrendo a Estrada Real da Pérsia de 1.600 quilômetros, construída por Dario, ligando a capital Susa à região da Anatólia. Esta estrada serviu de passagem ao exército de Alexandre Magno, que conquistou a Ásia no ano de 331 antes de Cristo.
Outras grandes rotas eram conectadas à Rota da Seda como a Grande Estrada da Índia, a Rota do Incenso passando pelo sul da Arábia e ligando à Rota das Especiarias, que era a rota marítima pelo Mar Vermelho, atravessando o Oceano Índico e alcançando o sul da China.
A China prosperou com a atividade da Rota da Seda explorando o comércio com diversas cidades além de suas fronteiras e se destacou por ter sido governada por importantes imperadores. A dinastia Han teve início no século II a. C. e durou aproximadamente 400 anos. O Imperador Wu Di teve notícia de grandes cavalos oriundos de Fergana ao norte as quais não existiam na China, onde só se criavam cavalos pequenos, tipo pôneis. Conseguiu trazer os “cavalos celestes” à China enviando um aventureiro Zhang Qian com um exército de 60.000 homens, que cruzaram montanhas e trouxeram notícia ao Imperador da existência de outras civilizações como a Pérsia e a Índia. A partir de então, os chineses olharam para o mundo além de suas fronteiras e teve início o comércio entre Oriente e Ocidente, passando por uma era de paz e prosperidade. O Imperador Wu Di estabeleceu o Confucionismo como religião oficial e defendeu a China dos ataques dos Hunos provenientes do noroeste asiático.
A dinastia chinesa Tang durou cerca de 300 anos, com início a partir de 608 d. C. Foi um período de estabilidade política e crescimento econômico, promovendo o país a grande progresso na cultura, nas artes, na música, na dança, no comércio da seda, do chá e das especiarias. Religiões se solidificaram como o Budismo, o Taoísmo e o Confucionismo.
O Islamismo foi fundado por Maomé em 622, na Arábia. Após a morte de seu fundador no ano de 632, a religião foi difundida pelo Médio Oriente e pela Ásia Central pelos exércitos muçulmanos que invadiram os impérios enfraquecidos por décadas de guerras. Habitantes das regiões, artesãos, fabricantes de seda e de papel, soldados, cristãos e outros comerciantes converteram-se, subjugando-se às dinastias islâmicas. O comércio da Rota da Seda foi enfraquecendo com a chegada do domínio muçulmano na região.
No final do século XII, tribos nômades com guerreiros terríveis vindos do norte da Mongólia, chefiados pelo bravo Gengis Cão invadiram cidades, exterminando a população, preservando os artesãos que foram levados a outras cidades para aproveitamento da mão de obra. O Império Mongol se estendeu ao sul pelo Afeganistão, passou pelo Oriente Médio chegando à Polônia. Nesse domínio, o comércio da Rota da Seda foi restabelecido e pelos caminhos construíram pontes, melhoraram estradas, estalagens para as caravanas de comerciantes, cidades antes destruídas foram reconstruídas. A reativação comercial da Rota da Seda durou por mais um século.
Marco Polo, o mais famoso viajante europeu para o Oriente, junto com seu pai e um tio, no ano de 1271, partiu de Veneza para a China pela Rota da Seda, percorrendo 9.000 quilômetros de aventuras e histórias fantásticas. Apenas 3 anos depois, chegaram a Shangdu, à corte do Império Mongol. O então imperador Kublai Cão os recebeu bem e nomeou-os a cargos de embaixadores. Cativos por 16 anos, não podiam deixar a China. Depois receberam autorização para regressar à Europa. Voltaram a Veneza e ali Marco Polo foi preso por inimigos venezianos. Durante três anos ditou aos companheiros de cela suas aventuras pelo Oriente, deixando um relato minucioso no conhecido livro “Um Milhão de Mentiras”, cujos contos não inspiravam credibilidade aos europeus, embora tendo se tornado um dos livros mais lidos da Europa medieval. Registrou em seus escritos as impressões do que viu no majestoso palácio mongol, de quartos dourados e pinturas fantásticas de pessoas e animais nas paredes. O encantamento e espanto causado pela descrição das riquezas do palácio inspirou o poeta inglês Cleridge a escrever um poema famoso dedicado ao palácio dos prazeres de Kublai Cão.
A partir de 1368, a China expulsou definitivamente os mongóis de seu território. O império ficou dividido e o comércio internacional pelos caminhos da Rota da Seda gradativamente caiu nas mãos dos comerciantes locais. Esse declínio foi provocado por tensões entre muçulmanos e cristãos da Europa reforçados pelas Cruzadas entre os séculos XI e XIII na tentativa de conquista da Terra Santa.
No século XV, a Europa passou por um período de grandes transformações, influenciada pelo conhecimento clássico das bibliotecas bizantinas, árabes e sassânidas, que marcou o início do movimento artístico, cultural com desenvolvimento das ciências e das artes, o Renascimento.
A riqueza proporcionada pela Rota da Seda fez surgir ricos impérios e califados muçulmanos no entorno dos caminhos.
Na tentativa de comerciar com o Oriente por um caminho marítimo, as grandes navegações chegaram ao Novo Mundo e, para o Oriente, descobriram o caminho marítimo para as Índias, passando pelo sul da África, cruzando o Oceano Índico. A descoberta marítima contribuiu para o declínio dos rústicos e perigosos caminhos terrestres da Rota da Seda e fortificou a Rota das Especiarias, pelo mar.

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